terça-feira, 7 de outubro de 2008

CARTA DE BELO HORIZONTE: sobre o ensino de espanhol.

Durante o V Congresso Brasileiro de Hispanistas houve uma mesa redonda intitulada “Políticas públicas e ensino de E/LE no Brasil: desafios para sua implementação”, com a participação de José Pires, presidente da Associação de Professores de Espanhol do Estado de Minas Gerais, de Jacyntho Lins Brandão, Diretor da Faculdade de Letras da UFMG, e de Neide González, professora da USP. Após as três excelentes falas, abriu-se o debate, com participação de professores de todo o Brasil. Surgiu, então, a proposta de Lívia Reis, professora da UFF, no sentido de que se fizesse um documento para ser encaminhado às instituições envolvidas com o ensino de espanhol e a formação de docentes.

Eis o conteúdio da carta



Belo Horizonte, 05 de setembro de 2008


A comunidade de professores e pesquisadores da área do Hispanismo, reunida no V Congresso Brasileiro de Hispanistas e I Congresso Internacional da Associação Brasileira de Hispanistas, em seu ato de encerramento, aprovou o encaminhamento desta carta às autoridades responsáveis pela definição de políticas administrativas e acadêmicas, nos âmbitos federal e estadual, com a finalidade de apresentar um breve diagnóstico da situação do ensino do espanhol no Brasil, tendo em vista o que dispõe a lei 11.161 de 5 de agosto de 2005, bem como propor sugestões no que se refere à formação (inicial e continuada) de professores dessa área.

Partimos do princípio de que a referida lei – pela qual a Língua Espanhola passa a ser uma disciplina de oferta obrigatória em todos os estabelecimentos de Ensino Médio, públicos e privados, do país a partir de 2010 – é um fato político e de política lingüística. Sendo assim, cabe perguntar o que o Estado (nação) e os estados (da federação) fizeram, estão fazendo e estão dispostos a fazer pela sua implementação, sem deixar que outros, movidos por interesses que nos são alheios, o façam.

A primeira das iniciativas tomadas, logo após a sanção da lei, foi a elaboração, pelo MEC, das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (Conhecimentos de Espanhol). Do seu teor, destacamos aqui dois aspectos importantes, posto que precisam ser fortemente considerados na concepção de formação de professores e no ensino a ser oferecido: o papel mais educativo e formativo do que instrumental que é atribuído ao ensino de línguas, e particularmente da língua espanhola no Ensino Médio e o reconhecimento da heterogeneidade do espanhol, que aponta para a necessidade de tratar essa língua, na sua especial relação com a nossa, de modo não estandarizado e nada hegemônico.

A segunda dessas iniciativas, por parte do MEC, foi a seleção e distribuição de livros para as escolas de Ensino Médio que manifestassem a sua intenção de dar início ao ensino dessa língua e para aquelas que já a ensinassem. É bom fazer saber que, em muitos casos, por razões que ignoramos e a partir do relato de professores, esses livros não chegaram às mãos dos docentes que já estão em serviço. Consta, também, que haverá nova seleção de livros, agora para compra de livros a todos os alunos, fato que conta com nosso apoio.

Apesar dessas iniciativas, tem-se conhecimento de que poucos estados da federação estão efetivamente preocupados com e empenhados em implantar a Língua Espanhola no Ensino Médio, algo que precisaria de um planejamento mais diretamente voltado para necessidades locais, muito variadas num país das dimensões do nosso. Enquanto isso, chegam até nós informações oficiosas de projetos de “formação de professores” à distância, financiados por instituições alheias ao âmbito universitário nacional e, em alguns casos, sem nível universitário, ocupando o espaço e as funções atribuídas ao Estado brasileiro, por meio de suas instituições universitárias e descumprindo as próprias exigências do MEC no que se refere ao número mínimo de horas presenciais e práticas para a formação de professores. Particularmente no que tange à formação de professores de espanhol para o Ensino Médio, os órgãos oficiais competentes, nas esferas nacional e estadual, não podem renunciar ao seu dever de realizá-la dentro dos padrões por eles mesmos estabelecidos. Mas entre verdades, boatos e mentiras, o tempo vai transcorrendo sem que se vejam medidas efetivas articuladas por quem de direito para implementar, com a necessária qualidade, a lei promulgada.

Urge, portanto, que o Estado (nação) e os estados da federação: incentivem, apóiem e promovam concursos; disponham de um quadro claro, nem inflado nem subestimado, das reais necessidades de mão-de-obra, tanto nas instituições formadoras quanto nas escolas de Ensino Médio; identifiquem a situação em que se encontram aqueles professores já legalmente habilitados, porém atuando em outras áreas ou trabalhando de forma precária; definam o espaço de que deverá dispor a disciplina de Língua Espanhola, tanto do ponto de vista físico, quanto na grade curricular, para oferecer essas aulas que, em conformidade com os documentos oficiais e na forma da lei, deverão estar integradas à totalidade das disciplinas para alcançar os fins educacionais previstos.

Nossa responsabilidade é intransferível – a da nação, representada por seus poderes e pelo MEC, a dos estados da federação, a das universidades e a de cada um dos que acreditamos na importância da educação para produzir mudanças significativas na vida dos indivíduos e na melhora de condições do povo. Cabe a todos, portanto, não se acomodarem diante do que se vem observando e não cederem à perigosa tentação do fácil e do enganoso. Os verdadeiros responsáveis não podem abdicar de suas funções e precisam tomar as rédeas desse processo, com seriedade, considerando o caráter político dessa questão.

Concluímos esta carta aberta ressaltando que a qualidade do trabalho na formação do professor e do aluno do ensino médio é condição para que a implementação da lei 11.161/2005 ocorra de fato, seja bem sucedida e tenha continuidade.


Profª Dra. Sara Rojo

Presidente da Comissão Organizadora do V Congresso Brasileiro de Hispanistas e I Congresso Internacional da Associação Brasileira de Hispanistas

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